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Além da jornada 6×1: o mercado de trabalho precarizado e as vivências trans

Ma Leri

29.11.2024

Nas últimas semanas, a luta pelo fim da jornada 6×1 ganhou força nas redes sociais. A proposta, impulsionada pelo movimento “Vida Além do Trabalho” (VAT), liderado por Rick Azevedo, vereador do PSOL no Rio de Janeiro, foi levada à deputada federal Erika Hilton (PSOL), que apresentou a iniciativa como uma emenda parlamentar para reduzir a carga horária semanal dos trabalhadores para 36 horas.

O protagonismo de Erika Hilton tem reforçado o papel das pessoas trans e travestis na política, evidenciando sua contribuição nas lutas por melhores condições de trabalho e direitos. “Erika liderar uma proposta que erradica a escala 6×1 é fundamental para a comunidade trans. Ela traz uma agenda de direitos trabalhistas e promove uma nova consciência de classe, colocando nossa comunidade no centro do debate”, afirma Caia Maria, pesquisadora e conselheira do Centro de Pesquisa Transfeminista.

Para a pesquisadora, a luta pelo fim da escala 6×1 é mais do que uma reivindicação trabalhista: é um passo essencial para combater a exclusão estrutural e construir um mercado de trabalho mais justo e inclusivo para a comunidade trans e travesti.

O texto inicial da PEC conta com 230 assinaturas e aguarda ser protocolado no próximo ano. Após isso, será analisado na fase de admissibilidade, etapa que verifica se a proposta não fere cláusulas pétreas da Constituição. Sendo aprovada, segue para uma Comissão Especial, onde pode ser revisada antes de ser votada no plenário da Câmara. Para aprovação, são necessários votos favoráveis de 3/5 dos deputados (308 votos) em dois turnos. Com a aprovação na Câmara, o texto segue para o Senado e, se aprovado sem alterações, é promulgado como emenda constitucional.

O que é a Escala 6×1?

A Escala 6×1, vigente há 81 anos no Brasil, prevê seis dias consecutivos de trabalho com um dia de descanso, totalizando, em média, 44 horas semanais. Por exemplo, um trabalhador pode ter uma folga por semana aos domingos ou em outro dia, dependendo do acordo com a empresa.

Os desafios de pessoas trans no mercado de trabalho

No Brasil, uma das maiores causas de afastamento por auxílio-doença, segundo dados da Previdência Social, está relacionada a transtornos mentais, sendo depressão e ansiedade os mais comuns. Muitas vezes, essas condições estão ligadas a modelos de trabalho precarizados, com vínculos frágeis, carga horária excessiva, no caso de pessoas trans e travestis, o preconceito como agravante.

“Sinto que estou em uma escala 7×0, sem descanso real e sempre cansado. Em São Paulo, tudo é corrido: trabalhamos para pagar as contas, mas falta energia para lazer”, relata Kairos Castro, pessoa não binária trans masculina, escritor, poeta e coordenador cultural do IBRAT-SP.

Kairos trabalha atualmente em uma biblioteca, mas já enfrentou discriminação devido à sua identidade de gênero em empregos anteriores, que não respeitavam seus pronomes ou ofereciam um ambiente inclusivo. Esse cenário agravou o desgaste físico e emocional. “Antes eu trabalhava em escritório, onde me assumi trans no ambiente de trabalho e, por anos, não fui respeitado. Passava cinco horas ou mais dentro do ônibus, somando ida e volta, mas tinha finais de semana livres, o que permitia algum lazer. Hoje, meu único dia de folga é usado para resolver questões pessoais ou realizar outros trabalhos. Isso torna o lazer quase impossível”, acrescenta.

Outro fator é a racialidade: o peso de ser uma pessoa negra em ambientes pouco racializados, em que pesquisas mostram que pessoas negras são maioria na escala 6×1 e recebem os menores salários. Elu destaca que ser a única pessoa trans em alguns espaços também gera um clima de solidão e impotência.

Sem tempo para lazer ou para outras tarefas do dia a dia, Kairos ainda recorre a outros trabalhos, como freelancer em eventos e trabalhos artísticos, para complementar a renda no final do mês. Isso evidencia que, mesmo com a “estabilidade” da carteira assinada, para sobreviver, elu ainda trabalha nos únicos dias de descanso.

De acordo com dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), apenas 4% das pessoas trans têm carteira assinada, enquanto 90% recorrem à prostituição devido à exclusão do mercado formal de trabalho.

A pesquisadora Caia Maria também destaca os desafios impostos pela reforma trabalhista de 2017, sancionada pelo ex-presidente Michel Temer, que precarizou sindicatos e ampliou a terceirização. “Como falar de aposentadoria, se não há perspectiva de envelhecimento? Como discutir sindicalização, se o trabalho sexual sequer é reconhecido? E como lutar por direitos trabalhistas, se a maioria nunca teve carteira assinada?”, questiona.

O que diz a proposta de diminuição de carga de trabalho? 

A proposta busca alterar o texto do inciso XII do artigo 7 da Constituição federal.

Artigo atual

O art. 7º , XIII , da CF/88 , estabelece que a duração normal do trabalho não poderá ser superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais. Logo, devem ser consideradas como horas extras aquelas que excederem a 8ª hora diária e não apenas as que ultrapassarem a 44ª hora semanal.

Nova proposta 

Art.7º, inciso XIII: “duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e trinta e seis horas semanais, com jornada de trabalho de quatro dias por semana, facultada a compensação de horários e a redução de jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho”.