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Acué: explicando economia para pessoas trans

Ma Leri

26.11.2024

A relação entre economia e pessoas trans vai além das questões tradicionais de acesso ao mercado de trabalho, renda e qualidade de vida. Cercada pela exclusão social, a população trans enfrenta desafios específicos que impactam diretamente sua estabilidade financeira e segurança econômica.

Termos como Selic, IPCA e INPC, que podem parecer distantes do cotidiano, têm impactos profundos nas nossas vidas, amplificando ou não a desigualdades e criando barreiras para estabilidade financeira. Por isso, a Transmídia traz até você o “bê-a-bá” do acué, que simplifica termos do “economiques” e como a mesma faz parte do dia a dia de pessoas trans, travestis e não-binárias.

Traduzindo conceitos que fazem parte do nosso dia a dia. 

Quando falamos sobre o crescimento econômico do país, a Selic — a taxa básica de juros — tem um papel central. Quando essa taxa está alta, aumenta a inflação, o que reduz o poder de compra, ou seja, é necessário mais dinheiro para adquirir os mesmos produtos.

Um exemplo, se uma cesta básica custava R$100 no ano passado e hoje custa R$120, isso é um reflexo da inflação. Para pessoas trans que já enfrentam exclusão do mercado de trabalho formal, o aumento da Selic pode significar maior endividamento e dificuldades para manter a estabilidade financeira, pois com o aumento da Selic, também há um aumento do crédito, tornando o acesso a empréstimos ou financiamentos habitacionais mais difícil. 

Na prática, isso significa que se antes era possível pegar um empréstimo e pagar R$50 de juros, agora pode ser que tenha que pagar R$70 ou R$100 pelos mesmos R$1.000 emprestados pelos bancos. 

  • Uma pesquisa realizada pelo Vagas.com, empresa de recrutamento e seleção em janeiro deste ano mostrou que pessoas trans recebem, em média, 17% a menos que pessoas cisgênero (26%). Tais números mostram a desvalorização e marginalização do poder de compra. 

“A inflação é uma coisa  macroeconômica, mas também tem uma reflexão microeconômica que está muito perto da vida da gente, como tratamento hormonal e o preço dos hormônios” Nina Pedrosa.

Nina Pedrosa, é engenheira e economista, especialista em bens intangíveis e Conselheira da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), e afirma que o aumento da inflação sobre esse produtos fazem com que muitas pessoas trans busquem medicações mais baratas e perigosas, como é o exemplo da Perlutan, para Mulheres Trans e Travestis. “E não só nos hormônios, como também no acesso à saúde, à cirurgias e outros aspectos”, completa Pedrosa.

Além da Selic, temos o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) — índice que mede a inflação no Brasil. E o chamado Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que mede como a inflação impacta a faixa de renda das famílias que ganham de 01 a 05 salários mínimos. A comunidade trans, em grande parte situada na base da pirâmide econômica, sente esses aumentos de forma desproporcional, principalmente em itens básicos como transporte e alimentação. Quando os preços sobem, o custo de vida aumenta.

“No final das contas, isso amplia esse cenário de desigualdade e esses grupos (de pessoas trans), acabam não conseguindo pensar em planejamento financeiro. Como comprar ou guardar o dinheiro para depois investir”, comenta a coordenadora de projetos do Instituto Febraban de Educação, professora universitária e CEO da Transformasie – Inteligência Financeira Izabel Rocha.

Educação financeira para pessoas trans

Na visão do economista de formação, especialista em Renda Fixa dá Me Poupe! e criador da Bixa Rica, Gean Duarte, a educação financeira auxilia na construção de outros cenários importantes que valorizem pessoas LGBTQIAPN+, em especial a população trans.

“É fundamental que existam iniciativas específicas para esse público e também políticas voltadas especificamente para esse cenário. É aí que entra a educação financeira para ensinar as pessoas a gerirem os seus recursos. Além do investimento, o empreendedorismo para essas pessoas seria interessante. Se existem várias empresas grandes, a distribuição de renda é menor, mas a gente tem vários pequenos empreendedores, temos uma distribuição de renda maior”, afirma Duarte.

Dicas para Iniciar a Educação Financeira

Aqui estão algumas dicas práticas e iniciais para ajudar pessoas trans a ganharem mais independência econômica:

  1. Mapeie os gastos e orçamento pessoal: Anote todas as entradas e saídas de dinheiro. Isso ajuda a visualizar os gastos, identificar excessos e organizar as finanças em categorias como moradia, alimentação, saúde e lazer.
  1. Crie uma reserva de emergência: Uma reserva de emergência é crucial. O ideal é guardar uma parte da renda, mesmo que seja uma quantia pequena por mês, até atingir um valor adequado, que cubra as despesas básicas. 
  1. Evite dívidas caras: Cartões de crédito e empréstimos com juros altos podem ser armadilhas para quem está começando a organizar suas finanças. Se precisar de crédito, busque opções com taxas mais baixas e evite parcelamentos que comprometem mais de 20% da renda.
  2. Estabeleça metas: Defina metas de curto, médio e longo prazo, como juntar dinheiro para um curso, um tratamento médico ou um fundo de aposentadoria. Ao ter metas claras, fica mais fácil se organizar para alcançá-las, economizando e fazendo escolhas financeiras mais conscientes.
  1. Busque conhecimento sobre finanças: Existem cursos gratuitos online sobre educação financeira oferecidos por instituições como a B3 e a Fundação Bradesco. Aprender mais sobre poupança, investimentos e juros pode abrir novas possibilidades para a gestão financeira.

Essas dicas podem ajudar pessoas trans a começarem a se educar financeiramente, empoderando-se para tomar melhores decisões e buscando mais segurança e autonomia no dia a dia.

Contexto

  • Acué vem do dialeto Pajubá, comumente usado pela comunidade LGBT e significa dinheiro. 
  • Perlutan é um anticoncepcional injetável que contém hormônios e é usado para prevenir a gravidez. Também pode ser indicado para tratar problemas hormonais ou irregularidades menstruais. Usado por mulheres trans e travestis no processo de hormonização, muitas vezes sem recomendação médica.

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