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19 universidades públicas já adotam cotas trans                

Liel Marin

15.11.2024

No Brasil, 19 instituições públicas já adotam cotas para pessoas trans na graduação, com seis implementando a medida em 2023 e cinco em 2024. As políticas de cotas começaram em 2012 como ações afirmativas para reservar metade das vagas em universidades federais para estudantes de escolas públicas, EJA, pessoas pretas, pardas, indígenas e quilombolas, como tentativa de promover a equidade social no ensino superior.

A Bahia se destaca com 60% das universidades públicas adotando políticas afirmativas na graduação, o estado foi o primeiro a implementar cotas para pessoas trans no ensino superior e, ainda hoje, é o que mais tem avanços no país.

Início das cotas trans no Brasil

A Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) foi a primeira a adotar as cotas trans no Brasil, em 2018. Fundada em 2013, as questões trans chegaram na UFSB através do Fórum Social que ocorreu em 2015. A universidade recebeu a visita de um homem trans da UFBA e a partir do encontro foi elaborado um documento chamado Carta de Itabuna, que apontava alguns furos na resolução do nome social e uma série de outras iniciativas importantes. 

Segundo a atual reitora, Joana Guimarães, o que permitiu a medida ser adotada foi a falta de tradição. “Isso nos permitiu inovar em algumas questões porque não havia uma universidade com tradição, uma universidade consolidada, isso refletiu na política de cotas inéditas”, afirma Joana.

Para garantir o sucesso das ações afirmativas destinadas a pessoas trans, a universidade criou algumas ações em parceria com a professora Isabella Silva Santos, o primeiro passo foi a criação de um curso preparatório para o Enem, o TRANS+, que durou dois anos e foi descontinuado por questões orçamentárias.

De acordo com o pró-reitor Sandro Ferreira, o cursinho foi importante do ponto de vista simbólico, porém nenhum aluno que participou entrou na universidade. Em sua avaliação, o programa falhou no acompanhamento desses estudantes, evidenciando os múltiplos desafios de inserção das pessoas trans no ambiente universitário. Além dessa iniciativa, logo após a implementação das cotas, a UFSB organizou um curso de capacitação para docentes e técnicos, a fim de preparar o ambiente acadêmico para receber alunes trans. 

Para o aluno de Direito da Universidade Estadual do sudoeste da Bahia,  Adriel Souza, as cotas específicas para pessoas trans são importantes para que elas não desistam da vida acadêmica. “No dia que fiz a matrícula, vi duas meninas e um rapaz trans, e isso me deu segurança. Saber que eu não estava sozinho, que outras pessoas trans estavam passando pela mesma situação que eu, correndo atrás do sonho de mudar suas vidas, foi muito importante”, relatou o estudante. 

Permanência

A Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) também criou, em 2021, o auxílio permanência para estudantes trans, se tornando uma das poucas universidades federais do Brasil com uma política de ajuda financeira destinada exclusivamente a esse público — no momento, 11 estudantes em vulnerabilidade social são contemplados com o valor de R$400 reais mensais.

 “Na nossa visão, o auxílio aumentou o número de alunos que passaram a se reconhecer e se declarar, facilitou os processos de transição de gênero e contribuiu para a chegada de novos alunos e sucesso de outros. Muitos estudantes trans escolhem a UFSB por saber que nós oferecemos o auxílio” pró-reitor da instituição, Sandro Ferreira. 

Já a Universidade Federal da Bahia (UFBA) possui políticas de permanência, como o “auxílio acolhimento”, que garante R$700 reais mensais para estudantes trans contemplados e é essencial para a continuidade do ensino dessas pessoas. A Universidade do Estado da Bahia (UNEB) oferece algumas políticas de permanência, como residência universitária e modalidades de auxílio financeiro.

No entanto, garantir que esses estudantes permaneçam e concluam seus cursos continua sendo um dos maiores obstáculos. Falta de apoio psicológico, auxílio financeiro e transfobia institucional são apontadas pelos estudantes como as grandes barreiras na conquista do diploma. 

Existe também a barreira do acesso à informação como narra a estudante de pedagogia Yngrid Sofia Barbosa: “as cotas ainda são pouco divulgadas”. Ela comenta que só soube da ação afirmativa dois anos depois da mesma entrar em vigor, o que, junto com a burocracia, afasta os novos discentes.

Em 2019,  Jheef Manoel, estudante na Universidade do Estado da Bahia  (UNEB), se reuniu com outros universitários para formar o coletivo Unetrans+, para discutir sobre o nome social, que não era respeitado. Mesmo após a retificação do nome, havia problemas no sistema. “Durante a pandemia, alguns professores viam o nome morto da pessoa e faziam a chamada com esse nome, mesmo sendo informados de que estava errado. Esse problema persistiu por muito tempo até ser resolvido”, relata Jheef. 

Situações de desrespeito ao nome também afetaram a estudante Fayola, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), de maneiras que foram além do desgaste psicológico e emocional. Quando seu nome, já alterado, passou a ser substituído pelo nome morto no sistema, Fayola perdeu o acesso ao restaurante universitário e ao bilhete de transporte. Essa divergência no nome e a exposição constante do nome anterior persistiram por anos, expondo Fayola a diversas situações constrangedoras e exaustivas.

Para os estudantes, garantir a permanência de pessoas trans passa pelo respeito ao nome, a garantia de auxílio financeiro e um programa de ajuda psicológica contínuo. 

 “Tenho uma preocupação com o suporte psicopedagógico, especialmente nos campi do interior. Muitas pessoas trans que conhecemos entraram na universidade vindas da prostituição e estamos pedindo apoio psicológico para essas pessoas. Como a UNEB cuidará delas? Seria importante discutir mais com os professores sobre melhorias no cuidado com esses corpos que estão entrando na universidade”, conclui Jheff.

Universidades mais preparadas

Na Universidade Federal do Sudoeste da Bahia (UESB), além da vaga ofertada, a comunidade acadêmica se preparou para receber esses novos estudantes. Na faculdade, eles oferecem apoio psicológico. Logo na matrícula, apresentam os canais e caminhos para denúncias e os professores também se posicionam contra a descriminação.

Em 2023, a deputada federal Erika Hilton apresentou o projeto de lei 3109/23 no Congresso Nacional para estabelecer a reserva de 5% das vagas para pessoas trans e travestis em todas as universidades federais e demais instituições federais de ensino superior. Atualmente, o projeto está em análise na Câmara dos Deputados.

Confira todas as universidades públicas com cotas trans no Brasil!

Contexto

  • A retificação é o processo pelo qual pessoas travestis e transexuais maiores de 18 anos podem alterar o nome e o marcador de gênero em seu registro civil, de forma simples e sem necessidade de autorização judicial, diretamente em qualquer cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais (RCPN) no Brasil.